A segurança pública é tema central nas eleições municipais e movimenta também o governo federal e o Congresso, que só no primeiro semestre deste ano recebeu mais de 200 projetos relacionados à pauta criminal. Embora prefeituras não tenham a tarefa como prioritária —pela Constituição, cabe aos governos dos estados—, os municípios são cobrados a agir.
Pesquisas do Datafolha mostraram, por exemplo, que a maior parte dos eleitores de São Paulo (20%) e Rio de Janeiro (31%) considera que a segurança pública deveria ser a prioridade dos próximos prefeitos.
Em consequência, os principais candidatos nas duas maiores cidades do país colocam o tema no topo de suas propostas, com destaque para expansão das Guardas Civis, incremento da tecnologia de monitoramento e enfrentamento ao furto e roubo de aparelhos celulares.
No governo federal, já está na Casa Civil a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que, entre outros pontos, dá ao governo federal o poder de estabelecer diretrizes de segurança pública e sistema penitenciário, obrigando os estados a segui-las.
No Congresso, o endurecimento do punitivismo criminal ocorre quase sempre com base em episódios que causam comoção nacional. Foi o caso, por exemplo, da recente proibição da saidinha de presos, ocorrida em parte pela comoção criada pelo assassinato de um policial militar de Minas Gerais, baleado por um homem que estava em saída temporária.
Entre os mais de 200 projetos apresentados neste ano na Câmara e no Senado, a maior parte é de autoria de partidos de direita e de centro-direita, sendo que os três parlamentares com o maior número de proposições são candidatos a prefeito ou estão envolvidos diretamente na disputa.
No Senado, Carlos Viana (Podemos), candidato a prefeito de Belo Horizonte, apresentou quatro projetos para majorar penas de crimes como o de estelionato, assédio sexual e corrupção de menores.
Na Câmara, os deputados com mais projetos nesse sentido (cinco cada um) são Alexandre Ramagem (PL), ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e candidato a prefeito do Rio de Janeiro, e Dayany Bittencourt (União Brasil-CE), mulher do Capitão Wagner (União Brasil), candidato a prefeito de Fortaleza.
O advogado criminalista Philip Antonioli diz que leis que buscaram desafogar a Justiça e as penitenciárias no caso de crimes de menor potencial ofensivo elevaram o sentimento de impunidade. Ele defende o aprimoramento.
“O objetivo dessas leis era muito saudável, só que, na prática, da forma que houve a aplicação, não funcionou, por isso que tem essa loucura hoje de se criar crime de tudo, de aumentar a pena, o que não vai resolver nada”, afirma.
A referência do advogado é à Lei 9.099/95, que criou os juizados especiais cíveis e criminais, e à Lei 13.964/2019, a do Pacote Anticrime, que permitiu ao Ministério Público a proposição de acordo de não persecução penal no caso de crimes sem violência ou grave ameaça.
O criminalista defende que as sanções sejam relevantes o suficiente tanto para inibir reincidências como para se fazer justiça. “Tem que haver uma seriedade no cumprimento dessa medida alternativa. Se houve violência, a conversa é outra. Mas para uma série de outras questões você poderia resolver de uma forma muito mais educativa”, afirma Antonioli.
O advogado criminalista Sérgio Rosenthal diz ser salutar que o Congresso debata o tema. “Vivemos hoje no Brasil uma crise de criminalidade. O endurecimento das penas não é a única forma de se combater a criminalidade, mas não tenho dúvida de que é uma das formas”, conta.
“No Brasil, a cada oito minutos uma mulher é estuprada, no ano passado ocorreram quase 40 mil mortes violentas e é difícil encontrar alguém que nunca tenha sido assaltado. Evidente que algo está errado.”
Em artigo publicado há quatro anos, os professores Rodrigo Azevedo e Marcelo da Silveira Campos, ambos doutores em sociologia, analisaram a política criminal aprovada pelo Congresso entre 1989 e 2016. Além de concluírem que o Executivo tinha prevalência sobre o Legislativo nessa área, o estudo mostrou que no período não houve uma única tendência.
“Os tipos de punição indicam que a politica criminal é definida pela sua dualidade entre princípios hierárquicos e universais de cidadania, ora ampliando, ora restringindo direitos e garantias fundamentais dos acusados”, escreveram eles.
Rodrigo Azevedo, que é professor de direito da PUC-RS e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que, de 2017 em diante, o tema da segurança pública entrou na agenda de uma forma mais direta, influenciando a composição das bancadas no Congresso —o que tirou das mãos do governo o controle do debate.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi deputado federal por 28 anos, se lançou à Presidência naquela época inicialmente com discurso voltado para a questão da segurança.
“Tem havido, sim, uma tendência de endurecimento, inclusive do ponto de vista da gestão, do encarceramento e da própria condução do sistema de segurança pública, mas não se pode dizer que tenha havido uma ruptura ou uma mudança da lógica”, diz Azevedo, que cita, por exemplo, a PEC elaborada por Lewandowski.
O Instituto Sou da Paz produziu por seis anos relatórios sobre a atuação do Congresso na área. O último documento, relativo a 2020, apontava um recrudescimento do número de proposições que visavam o endurecimento penal, de forma “pouco criativa e pouco eficiente”.
“Há padrões claros na priorização da dimensão penal do problema da violência, o que tem apenas gerado
presídios superlotados, comandados por facções criminosas e cuja maior parte da população carcerária é composta por indivíduos jovens e negros, acusados de crimes de baixo potencial ofensivo”, diz o texto.
De acordo com o relatório, houve, em 2020, um aumento significativo na aposta dos parlamentares no endurecimento das regras penais —de 36% na legislatura 2015-2018 para 45% em 2020. No Senado, de 39% para 53%.
A diretora-executiva do instituto, Carolina Ricardo, afirma que a tendência de aumento dos projetos de caráter punitivista permanece. “Agora tem um componente a mais, que é uma bancada, que ocupa, por exemplo, as comissões de Segurança na Câmara e no Senado, muito mais virulenta.”