Quem desmata a Amazônia: os pobres ou os ricos?

Paulo Guedes em Davos

Tese de biólogo norte-americano e estudos de agroecologistas confrontam a afirmação de Paulo Guedes

Como não podia deixar de ser, a declaração do ministro Paulo Guedes no Fórum Econômico Mundial, culpando a pobreza pela destruição do meio ambiente, causou reações entre pessoas que respeitam e se preocupam não só com os solos, mas com os mares e a atmosfera que nos cercam.

De minha parte, observo que poucas vezes o ministro se referiu aos pobres em suas palestras. Em julho de 2019, por exemplo, em apresentação a executivos, o mal da economia brasileira estava, para o político e economista, “no excesso de gastos públicos”, chamado por ele de “o grande vilão”.

A declaração do aluno da Universidade de Chicago Paulo Guedes foi feita agora em outro contexto, claro, numa reunião em que líderes de países ricos e poderosos estão tentando destrinchar mais sobre a maior adversidade da humanidade nos dias atuais.

“Como lidar com a urgência do clima e o meio ambiente que estão desafiando nossa economia e ecologia” é um dos cinco pontos listados para serem debatidos no Fórum de Davos.

Por isto mesmo, soou tão esdrúxula aos ouvidos sensíveis não só a causas ambientais como à miséria global. Novas estimativas do Banco Mundial revelam, segundo o último relatório da Oxfam apresentado lá mesmo em Davos , “que quase metade da população no mundo sobrevive com menos de US$ 5,50 por dia e que a taxa de redução da pobreza caiu pela metade desde 2013”. E, para o ministro Guedes, são, em parte, essas pessoas que destroem o meio ambiente porque “precisam comer”.

Não é muito difícil lembrar situações que mostram cenários bem distintos deste pintado por Paulo Guedes. Há exatamente um ano, a pacata cidade de Brumadinho, em Minas Gerais, teve seu meio ambiente destruído, o solo ficou poluído, o principal rio da região ficou emporcalhado pelo mar de lama que vazou de uma barragem da indústria de mineração.

Responsável pela tragédia, que matou, no mínimo, 254 pessoas, a empresa Vale era e continua sendo uma das mineradoras mais negociadas nas bolsas de valores de todo o mundo, com cerca de 220 mil acionistas e capitalização de mercado de aproximadamente US$ 60 bilhões . Está, assim, longe de ser alguém que destrói o meio ambiente porque “precisa comer”.

No entanto, é preciso dizer que a afirmação do ministro encontra eco em outros pensadores do sistema econômico que ele defende. O biólogo e cientista norte-americano Phillip Fearnside fez a seguinte pergunta no estudo que publicou há cerca de duas décadas:

“Quem desmata a Amazônia: os pobres ou os ricos”? Naquela época (podemos dizer que já naquela época) 30% do desmatamento podiam ser atribuídos a pequenos agricultores, cujas propriedades têm menos de cem hectares.

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“Os 70% restantes foram atribuídos a médios ou grandes fazendeiros. Isso mostra a falta de base dos frequentes pronunciamentos que culpam a pobreza pelos problemas ambientais da região”, escreve Fearnside na abertura de seu relatório que pode ser encontrado aqui.

Mais uma reflexão que pode ajudar e contribuir para ampliar o pensamento. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que representa diversas etnias, lançou em abril do ano passado, no Acampamento Terra Livre, um relatório com uma minuciosa relação de empresas estrangeiras que fizeram negócio com agentes do agronegócio brasileiros acusados de atuar em áreas de conflitos de terras indígenas e de extrair recursos de áreas protegidas.

“O mundo precisa da Amazônia para sobreviver. Ninguém entende isso melhor do que os povos indígenas e comunidades tradicionais que o chamam de lar, e são comprovadamente os melhores administradores. Uma facção dominante e conservadora do poderoso setor agroindustrial do país, conhecido como “ruralistas”, está ajudando a impulsionar a agenda de Bolsonaro na Amazônia. Trabalhando dentro do governo de Bolsonaro, os representantes da indústria estão tirando a proteção das florestas e dos direitos à terra, a fim de obter acesso irrestrito às áreas atualmente protegidas da atividade industrial”, diz o relatório.

Há muitos outros casos que podem ilustrar o debate. Mas, para fugir da retórica dicotômica, escapando também do falso problema de achar vilões e mocinhos numa tão complexa realidade, é preciso abrir caminhos. A agroecologia mostra, também com estudos e dados, que pode ser uma trilha. Morta recentemente aos 99 anos, a pesquisadora da agroecologia e agrônoma Ana Primavesi não pode deixar de ocupar um espaço nesta reflexão. Lançado em 2016, seu “Manual do solo vivo” (Ed. Expressão Popular), lembra que a “agricultura natural, ecológica, não é uma alternativa, mas uma exigência urgente antes que a água doce residente termine em nosso planeta e que todas as pessoas estejam irrecuperavelmente degeneradas ou doentes”. Trata-se de um processo de produção que respeita o solo, a diversidade, sem o uso de agrotóxicos, “capaz de colocar o mundo destruído novamente em ordem”.

Sem saber, é claro, Ana Primavesi quase responde ao ministro Paulo Guedes quando conclui, em seu livro, que “Com certeza cada tipo de agricultura é uma agressão ao meio ambiente, mas esta pode ser mínima ou catastrófica. A Agricultura Natural é a única que é ecológica, trabalhando com solos vivos dentro de sistemas e ciclos”. E sugere uma transição suave, entre o que estamos vivendo hoje sob a forma de produções agrícolas, em terras muitas vezes compradas e destruídas pelo capital estrangeiro, como mostra a dissertação de Daniel Faggiano de 2014 e a agroecologia.

Casos também não faltam para ilustrar a fala de Primavesi, e para mostrar uma realidade bem diferente ao ministro Paulo Guedes. A pobreza pode ser aliada do meio ambiente, sobretudo quando a relação entre homem e natureza se faz de forma orgânica, com respeito, sem agressões químicas. Busquei aqui nos arquivos um exemplo emblemático e encontrei, no excelente e belo documentário “ConViver”, realizado pela ONG Articulação do Semiárido Brasileiro e dirigido por Bruno Xavier, Roger Pires e Yargo Gurjão . Vale a pena assistir e prestar atenção aos depoimentos como o de Maria Perpétua Barbosa, da Agrovila Nova Esperança em Ouricuri, Pernambuco, que foi passar um mês com a filha em São Paulo e voltou de lá estarrecida:

“Lá não se consegue nenhum alimento sem dinheiro. Aqui não é assim, não. A gente não tem dinheiro, vai na roça pega um pé de aipim. Ou vai na roça, pega outra coisa qualquer, tira o óleo, prensa com farinha e dá para comer”, diz ela.

É preciso ressaltar que Maria Perpétua mora num território em que se pratica a agrofloresta, ou agricultura natural, como escreve e professa Primavesi. Sem agredir o meio ambiente.

Fonte: G1

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