O grupo Prerrogativas, composto por juristas, advogados, defensores e professores da área do direito, criticou a aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto de lei que acaba com a saidinha temporária de presos em datas comemorativas, além de exigir exame criminológico para mudança de regime.
Em nota, o grupo afirma esperar que a proposta legislativa seja vetada por Lula (PT) — como o texto já tinha passado pelo Senado, ele agora segue para sanção do presidente.
Para o Prerrogativas, a aprovação do projeto deixa claro que os parlamentares “não acreditam na possibilidade de ressocialização de seus cidadãos”.
“A proposta trata seus prisioneiros como incapazes de recuperação e indignos de perdão e, assim sendo, revelam o retrocesso civilizatório de nossa sociedade”, diz trecho do comunicado.
O grupo também chama o exame criminológico de “retrógrado e anticientífico”. Diz ainda que essa exigência “entupirá ainda mais as Varas de Execução Penal, onerará sobejamente os cofres públicos e atrasará ainda mais a progressão de regime das pessoas que já atingiram dos marcos temporais objetivos para a progressão.”
O benefício da saída temporária é concedido há quase quatro décadas pela Justiça a presos do sistema semiaberto que já tenham cumprido ao menos um sexto da pena, no caso de réu primário, e um quarto da pena, em caso de reincidência, entre outros requisitos.
Como mostrou a Folha em janeiro, menos de 5% dos detentos que tiveram direito à saidinha de Natal em 2023 não retornaram aos presídios no Brasil, taxa considerada baixa por especialistas.
“Pelo descumprimento de muito poucos, toda uma população carcerária perderá a oportunidade de voltar ao convívio gradativos com suas famílias e com a sociedade”, afirma o grupo.
Na nota, o Prerrogativas lembra também que, pela lei atual, o benefício é vedado para os condenados por crime hediondo com resultado morte.
Leia, abaixo, a íntegra do comunicado:
NOTA DO GRUPO PRERROGATIVAS SOBRE O FIM DAS SAÍDAS TEMPORÁRIAS
“O grau de civilização de uma sociedade pode ser medido pela maneira como trata seus prisioneiros”.
O velho aforisma, equivocadamente, porém compreensivelmente, atribuído a Fiódor Dostoiévski, nunca foi tão preciso quanto hoje no Brasil.
O Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei nº. 2253/2022, que restringe as saídas temporárias a hipóteses extremamente restritas e que, dentro da realidade carcerária brasileira, extingue na prática o instituto, de importância fulcral para a ressocialização dos presos. Pelo descumprimento de muito poucos, toda uma população carcerária perderá a oportunidade de voltar ao convívio gradativos com suas famílias e com a sociedade.
Importante esclarecer que, de acordo com a atual lei, somente tem direito a saída temporária os presos que estão cumprindo pena em regime semiaberto. Sendo vedado, ainda, para os condenados por crime hediondo com resultado morte.
Em uma luminosa manifestação do populismo penal, suprimiu-se uma medida ressocializante, que vale lembrar, foi editada em pleno regime militar haja vista a sanção da Lei de Execuções Penais pelo então Presidente da República João Baptista Figueiredo.
Mas não é só. Mencionado projeto instituiu a obrigatoriedade do exame criminológico para a progressão de regime. Trata-se de um exame retrógrado, anticientífico e que já foi rechaçado inúmeras vezes por conselhos de psicologia. Além exotérica, a obrigação de realização de mencionado exame para a progressão de regime de toda e qualquer pessoa entupirá ainda mais as Varas de Execução Penal, onerará sobejamente os cofres públicos e atrasará ainda mais a progressão de regime das pessoas que já atingiram dos marcos temporais objetivos para a progressão.
Além disso, trouxe a possibilidade de monitoramento eletrônico para pessoas em regime semiaberto e sua obrigatoriedade nos casos de livramento condicional, mais uma vez, medidas que, além de criar severos empecilhos para a reintegração social do apenado – pelo fragoroso estigma que tais equipamentos infligem -, ignoram por completo a insuficiência de equipamentos para as necessidades atuais e que gerarão despesas incalculadas para o Poder Público; valores que seriam muito melhor alocados em medidas de reintegração social.
A proposta legislativa aprovada traz a inequívoca mensagem de que nossos legisladores não acreditam na possibilidade ressocialização de seus cidadãos. Não compreendem o crime com um fato a ser punido e não repetido, mas sim como uma característica inata ao criminoso. A proposta trata seus prisioneiros como incapazes de recuperação e indignos de perdão e, assim sendo, revelam o retrocesso civilizatório de nossa sociedade.
Por tudo isso, o Grupo Prerrogativas, comprometido com a construção de uma sociedade igualitária, solidária e, realmente antirracista e imbuído pela esperança que jamais deixará de nos inspirar, espera que mencionada lei seja vetada pelo Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva.
com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH