Enquanto o Senado Federal discute um projeto que modifica a lei de abuso de autoridade, a ser votado no dia 6 de dezembro, e a Câmara cogita punir juízes e procuradores por crime de responsabilidade, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, criticou nesta terça-feira, 29, as tentativas de “criminalizar o agir do juiz brasileiro” e afirmou que toda ditadura “começa rasgando a Constituição”.
“Juiz sem independência não é juiz. É carimbador de despachos segundo interesses particulares e não garante direitos fundamentais segundo a legislação vigente”, disse Cármen, durante a sessão extraordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que também preside.
A ministra destacou na sua fala que os juízes brasileiros tornaram-se recentemente “alvo de ataques”, com tentativas de “cerceamento de sua atuação constitucional” e ações no sentido de restabelecer até mesmo o “crime de hermenêutica”. O projeto que modifica a lei de abuso de autoridade possibilita que magistrados sejam processados por conta de sua interpretação da lei, o que é conhecido como “crime de hermenêutica”.
Nesta quinta-feira, 1º, o Senado Federal promoverá uma sessão para discutir o projeto de lei que altera a legislação referente ao abuso de autoridade, de autoria do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). O juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava Jato na primeira instância, e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), são aguardados. Já a Câmara vota nesta terça o pacote de medidas anticorrupção que deve incluir a punição por crime de responsabilidade para magistrados, promotores e procuradores.
“Toda ditadura começa rasgando a Constituição, ainda que sob várias formas, incluídas as subliminares de emendas mitigadoras das competências e garantias dos juízes. Amordaçando os juízes, no Brasil chegou-se à cassação de três ministros do Supremo Tribunal Federal que desagradavam os então donos do poder de plantão. Imputam-se todas as mazelas a um corpo profissional que se sujeita a erros, sim, mas não tem nele a sua marca dominante”, afirmou Cármen.
“Desmoraliza-se enfim a instituição e seus integrantes para não se permitir que o juiz julgue, que as leis prevaleçam e que a veracidade de erros humanos sejam apurados, julgados e punidos, se for o caso”, completou a presidente do STF e do CNJ.
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O CNJ se dedica ao aperfeiçoamento do sistema Judiciário brasileiro, voltado para a fiscalização do trabalho de juízes e até eventuais punições a magistrados.
“Se é desejável socialmente a democracia, é impossível, como demonstrado historicamente, recusar-se o Judiciário como estrutura autônoma e independente de poder do Estado nacional. Não há democracia sem Judiciário, e o Judiciário somente cumpre o seu papel constitucional numa democracia”, frisou Cármen.
“Criminalizar a jurisdição é fulminar a democracia. Eu pergunto a quem isso interessa? Não ao povo, certamente. Não aos democratas, por óbvio. Confundir problemas, inclusive os remuneratórios, com abatimento da condição legítima do juiz é atuar contra a democracia, contra a cidadania, que demanda justiça. Contra um Brasil que lutamos por construir”, prosseguiu a ministra.
“Portanto, Justiça não é luxo. É necessidade primária pra se viver em paz. Conviver põe conflitos, viver em paz impõe justiça. Desconstruir-nos como Poder Judiciário ou como juízes independentes, interessa a quem? Enfraquecer-nos objetiva o quê? Todos nós estamos aqui trabalhando para um Brasil mais justo, mais democrático para todos os brasileiros e atuando rigorosamente segundo as leis do Brasil. Vamos continuar a agir dessa forma e esperamos muito que todos os poderes da República atuem desse jeito, respeitando-nos uns aos outros e principalmente buscando um Brasil melhor para todo mundo”, concluiu Cármen.
Fonte: Estadão