Bom dia, boa tarde, boa noite, a depender da hora em que você abriu esse e-mail. Sou o editor de Política e Brasil do GLOBO e nessa newsletter você encontra análises, bastidores e conteúdos relevantes do noticiário político. A partir de hoje e durante o ano de 2025, estaremos juntos toda quarta-feira!
A nova estratégia da defesa de Jair Bolsonaro, que insinuou que o ex-presidente seria traído por militares de alta patente, vem provocando divergência no seu entorno jurídico. O advogado Fred Wassef, longe dos holofotes nos últimos tempos, mas ainda vinculado à família em processos, vem contestando internamente a postura de Paulo Amador Bueno que, há duas semanas, em entrevista ao programa ‘Estúdio i’ de Andreia Sadi, na Globonews, disse que uma junta militar, não Bolsonaro, assumiria o poder caso Lula fosse, de fato, impedido de tomar posse.
“Quem seria o grande beneficiado? Segundo o plano do general Mario Fernandes, seria uma junta que seria criada após a ação do Plano Punhal Verde e Amarelo, e nessa junta não estava incluído o presidente Bolsonaro”, disse Amador Bueno, para depois completar: “Não tem o nome dele lá, ele não seria beneficiado disso. Não é uma elucubração da minha parte. Isso está textualizado. Quem iria assumir o governo em dando certo esse plano terrível, que nem na Venezuela chegaria a acontecer, não seria o Bolsonaro, seria aquele grupo”.
O ponto de Wassef nos debates internos é que, ao apontar o dedo para os oficiais de maneira tão clara na TV, Amador Bueno estimula uma possível delação premiada de militares de alta patente, prejudicando ainda mais Bolsonaro antes da denúncia prevista para ser feita no ano que vem pela Procuradoria Geral da República (PGR). De fato, a atenção em Brasília está toda concentrada na possibilidade de delação do general Mário Fernandes, preso e que acaba de ser transferido do Rio para o Comando Militar do Planalto, em Brasília. Foi dele a ideia de imprimir o plano para matar Lula dentro do Palácio do Planalto. Há fartura de provas contra o oficial, talvez o militar que mais tenha deixado digitais na trama golpista.
O general Fernandes também trocou de advogado na semana passada. Saiu Raul Livino e entrou Marcus Vinicius Figueiredo, que, por ora, vem negando qualquer tratativa de delação. Não param, contudo, de aparecer na imprensa notas e reportagens sobre a possibilidade de negociação. Hoje pela manhã, Bela Megale informou em sua coluna no GLOBO que dentro da cúpula do Exército há a crença de uma colaboração de Fernandes com a PGR ou a Polícia Federal. “Quando Fernandes se der conta de que está ‘abandonado’ e ‘sozinho’, a possibilidade de optar por esse caminho é grande”, escreveu sobre o que é falado no alto escalão da caserna. Nos últimos dias, tanto Igor Gadelha, no site Metrópoles, quanto Caio Junqueira, na CNN, relataram que a família do general o está pressionando para fechar um acordo de delação.
Após a entrevista do advogado de Bolsonaro na Globonews, a defesa de Mario Fernandes se revoltou. “Ele é advogado de defesa ou promotor?”, disse o novo advogado Figueiredo ao colunista Lauro Jardim. O general Walter Braga Netto também se revoltou em uma nota contra a defesa de Bolsonaro depois da resposta dada na Globonews sobre uma possível traição. “É uma tese absurda e fantasiosa”, afirmou, em nota oficial. “Por isso é tão perigosa para Bolsonaro essa estratégia de jogar os seus cúmplices ao mar. Se você compromete a defesa de um general e o encurrala, deixando-o sem alternativa, não lhe restará senão um acordo de delação e, nessa hipótese, ele atirará para o alto. Neste caso, isso significa torpedear Bolsonaro”, comentou Josias de Souza, no UOL, nesta semana, sobre os últimos movimentos do inquérito do golpe em 2022.
Por mais surreal que pareça, há um ponto da defesa de Bolsonaro em que Wassef, Amador Bueno e os aliados do ex-presidente concordam na estratégia: dizer que não há problema em fazer um debate jurídico interno sobre decretar estado de sítio usando o artigo 142 da Constituição. Já saiu da boca do próprio ex-presidente a confissão de que pensou em fazer algo depois da derrota para Lula em 2022: “Os comandantes das Forças falam que ‘Bolsonaro discutiu conosco hipóteses de (artigo) 142, estado de sítio, estado de defesa”. E eu discuti, sim. Não foi nenhuma discussão acalorada. (…) Golpe usando a Constituição? O que está dentro da Constituição você pode utilizar”, afirmou Bolsonaro em 28 de novembro.
A internação de Lula, o debate sempre delicado sobre a saúde dos políticos e a eleição de 2026
O Brasil acordou ontem preocupado com a internação do presidente Lula. Ainda que o médico Roberto Kalil Filho fale que a transferência do petista de Brasília para São Paulo foi apenas uma “opção médica”, não foi trivial o que aconteceu nas últimas 48 horas. Como disse Vera Magalhães no GLOBO de hoje, “os relatos de que Lula já vinha se queixando de dores na cabeça havia alguns dias, e não apenas na segunda-feira, levaram muitas pessoas próximas a se questionar se faltou rigor na verificação de seu quadro de saúde”.
Se em público os aliados só desejavam melhoras ao presidente, nas conversas privadas a verdade é que bateu um pânico: estará o presidente pronto para mais uma duríssima campanha em 2026 e mais quatro anos de mandato que impõe rotina pesada de reuniões e viagens nacionais e internacionais? Vale lembrar: caso decida participar da sua sétima campanha ao Planalto, Lula vai percorrer o Brasil com 80 anos de idade. “Sem Lula, vamos perder”, me disse um petista, implorando para não aparecer em on na newsletter com a profecia.
Com muita cautela, alguns colunistas trataram do tema nos jornais de hoje. Afinal, como escreveu Igor Gielow na “Folha de S.Paulo”, “falar de saúde de autoridades é tabu no mundo todo, mas ganha ares de blasfêmia no Brasil”. No “Valor Econômico”, César Felício afirmou que uma sucessão presidencial em 2026 sem Lula ou Bolsonaro “seria uma eleição em aberto”. “O bloco governista não enxerga alternativa ao nome de Lula. O deserto de opções à esquerda no Brasil é uma constatação internacional”, escreveu, lembrando a frase do ex-presidente uruguaio José Mujica: “Lula está perto dos 80 e não tem reposição”. Vera Rosa, no “Estado de S. Paulo”, fala que nem mesmo nas fileiras do PT há certeza de que o presidente concorrerá ao quarto mandato. Para cada interlocutor, ele afirma uma coisa. “Lula é como a Bíblia: cada um interpreta como quer”.
RECOMENDO
• ‘O lugar’, de Annie Ernaux
Depois de ler e escrever sobre “Paixão simples” na última edição, a editora Cibelle Brito me indicou seguir explorando a Nobel de Literatura, desta vez com “O lugar”, tão simples e leve de ler quanto a minha estreia com a francesa. A história é focada na sempre complexa relação entre pais e filhos, e o natural distanciamento quando a cria da família alça voos próprios e bebe de novas culturas e relações sociais que seus genitores não tiveram oportunidade de vivenciar. Tudo com muita clareza, sem rancores do passado e até mesmo com gratidão. Reflexões construídas a partir da morte do pai, sempre lembrado como alguém rude e pouco carinhoso. Destaco aqui um trecho da obra que me pegou: “Durante muito tempo a relação amorosa entre pais e filhos me pareceu um mistério. Também levei anos para ‘entender’ a extrema gentileza que as pessoas bem-educadas manifestam com um simples bom dia. Sentia vergonha, como se eu não merecesse tanta consideração, e chegava a fantasiar que havia algum interesse particular em mim. Depois de um tempo percebi que os sorrisos, as perguntas feitas com um ar gentil não eram tão diferentes de mastigar de boca fechada ou assoar o nariz discretamente”.
• A última coluna de Paul Krugman no NYT
A despedida de Paul Krugman do “New York Times” traz um belo texto sobre ressentimento, o fenômeno global que atinge “das classes trabalhadoras que se sentem traídas pelas elites” aos “bilionários que não se sentem admirados o bastante”. Embora a tendência seja olharmos para o tema com pessimismo sobre o futuro da credibilidade das instituições, Krugman arruma um jeito de trazer um pouco de otimismo: “Haverá uma saída? Acredito que, mesmo que o ressentimento seja capaz de colocar pessoas más no poder, não é capaz de mantê-las por lá. Em algum momento, o público perceberá que a maioria dos políticos que ralham contra as elites é de elite em todos os sentidos. E começará a responsabilizá-los por sua incapacidade de cumprir suas promessas”.
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