O tema Constituição Dirigente já gerou inúmeras polêmicas. No início dos anos 2000 fizemos um seminário do qual saiu um livro chamado Canotilho e a Constituição Dirigente [1]. Fizemos um conjunto de perguntas e um debate com o articulador da tese original de dirigismo constitucional fora da Alemanha (lá tinha sido Peter Lerche), J.J. Gomes Canotilho. O debate ocorreu porque Canotilho publicara um texto dizendo que a Constituição dirigente morrera. O debate foi para verificar os detalhes dessa morte e/ou possibilidades de um filete de vida do projeto compromissório e dirigente. Quanto à tese de Canotilho e a sua manutenção (tanto a própria tese original como a sua reformulação que gerou o debate do qual se originou o livro), deixo aos leitores a busca pelas respostas. Algumas constam no próprio livro que ajudei a organizar, já assinalado. Os hoje ministros Roberto Barroso e Edson Fachin fizeram parte do grupo de debatedores. Além do ex-ministro Eros Grau.
No Brasil, um conjunto de juristas — teimosamente — continuou, no passar dos anos, defendendo a tese da constituição dirigente e compromissória. Eu mesmo escrevi em defesa de uma Constituição Dirigente Adequada a Países Periféricos (ou de Modernidade tardia), em Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica. Martonio Barreto Lima, Marcelo Cattoni e Gilberto Bercovici e eu assumimos esse lado jurássico. Também Fabio de Oliveira e Nelson Camatta Moreira (entre outros autores) publicaram importantes livros defendendo a tese da CD. Ou seja, acreditamos que Constituição é norma. Vale. Ortodoxamente. E que o direito tem esse grau necessário de autonomia para apontar os mínimos caminhos para a construção das bases de um Estado Social, aliás previsto no artigo 3º da Constituição e desenvolvido em dezenas de dispositivos constitucionais.
Em texto que se tornou clássico, denominado A Constituição Dirigente Invertida,[2] Gilberto Bercovici (que publicou texto similar na França recentemente alertando para o que vinha por aí) e Luis Fernando Massonetto denunciaram o que já acontecia e que, agora, com a PEC 241 e os projetos de flexibilização do direito do trabalho e previdência social, está mais claro: o desmonte das possibilidades transformadoras do Estado em direção a consecução de políticas de Estado Social.
No aludido artigo, Bercovici e Massonetto denunciam que a partir das últimas décadas do século XX o padrão de financiamento público da economia do segundo pós-guerra passou a ser contestado, dando início à reação neoliberal e ao desmonte institucional do Sistema de Bretton Woods. Desde então, o paradigma constitucional que sustentara o Estado Social passou a ser frontalmente atacado, trazendo à tona questões que já pareciam superadas — a cisão entre a economia e as finanças públicas, a abstenção do Estado no domínio econômico e a pretensa neutralidade financeira propugnada pelos liberais. (grifei)
Como consequência, aduzem B & M, a integração estruturante do paradigma dirigente foi substituída por um novo fenômeno, apto a organizar o processo sistêmico de acumulação na fase atual do capitalismo. O que se viu então foi o recrudescimento dos aspectos instrumentais da constituição financeira e o ocaso da constituição econômica, invertendo o corolário programático do constitucionalismo dirigente. No Brasil, a Constituição de 1988 e a prática do período posterior refletem claramente este ponto de inflexão.
Mais ainda, dizem B & M que a crítica feita à constituição dirigente (CD) pelos autores conservadores diz respeito, entre outros aspectos, ao fato de a CD “amarrar” a política, substituindo o processo de decisão política pelas imposições constitucionais. Ao dirigismo constitucional foi imputada a responsabilidade maior pela “ingovernabilidade”. O curioso é que os críticos entendem que são apenas os dispositivos constitucionais relativos as políticas públicas e direitos sociais que “engessam” a política, retirando a liberdade de atuação do legislador. Com efeito, os mesmos críticos da CD são os grandes defensores das políticas de estabilização e de supremacia do orçamento monetário sobre as despesas sociais. No que respeita à imposição, pela via da reforma constitucional e da legislação infraconstitucional, das políticas ortodoxas de ajuste fiscal e de isolamento da constituição financeira relativamente à constituição econômica, de nenhum dos críticos veio qualquer manifestação de que se estava “amarrando” os futuros governos a uma única política possível, sem qualquer alternativa (grifo meu).
Bingo. B & M atingem a ferida narcísica do conservadorismo: a CD das políticas públicas e dos direitos sociais é entendida como prejudicial aos interesses do país, causadora última das crises econômicas, do déficit público e da “ingovernabilidade”; a CDI, isto é, a constituição dirigente das políticas neoliberais de ajuste fiscal é vista como algo positivo para a credibilidade e a confiança do país junto ao sistema financeiro internacional. Esta, a CDI, passou a ser a verdadeira CD, que vincula toda a política do Estado brasileiro à tutela estatal da renda financeira do capital, à garantia da acumulação de riqueza privada. (grifei)
Reli o texto de B & M no final de semana. E não é que me deparo, na segunda-feira (24/10), com o artigo de Ricardo Antunes, na Folha de S.Paulo, intitulado “De novo a Belindia”? Entre tantas ações que contrariam o dirigismo constitucional — portanto, inconstitucionais — estão a flexibilização dos direitos nas relações de trabalho (PLC 30/2015). E tudo o mais que vem por aí, além da PEC 241, que faz um CDI20 — constitucionalismo dirigente invertido planejado para 20 anos. Despiciendo falar sobre os reflexos para a saúde, educação e relações de trabalho. O que quero dizer que no Brasil não conseguimos cumprir a Constituição naquilo que mais importa: o cumprimento dos direitos relativos ao estado social que nunca houve. Também reli, na sequência, o belo texto de Marcelo Cattoni, chamando a atenção para um “estado de exceção econômico” que se desenha, com a suspensão da Constituição por 20 anos. Ela será, na verdade, um “ato desconstituinte” e não mais uma emenda constitucional, diz Cattoni.
A maior conquista do direito até hoje ocorreu a partir do segundo pós-guerra, quando a Constituição passou a valer como norma jurídica. Daí a tese da força normativa e do constitucionalismo dirigente, com suas variantes, que foram importantes para a construção de importantes teses em tribunais constitucionais como da Alemanha, Espanha e Portugal. Por exemplo, a tese da proibição de retrocesso social constante no julgamento. Exemplo disso pode ser constatado em importante decisão do Tribunal Constitucional de Portugal, mediante a adoção da cláusula da proibição do retrocesso social:
“(…) a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixa de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar ou passar também a ser uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a atuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social (Ac. 34/84 – TC)”.
De tantos problemas decorrentes do descumprimento da Constituição no Brasil, um deles chama a atenção, mormente nesta hora crucial em que o STF será provavelmente testado pelos partidos de oposição que buscarão o contramajoritarismo para garantir as conquistas já consolidadas e impedir que o governo faça políticas de constituição dirigente invertida: é que nunca fizemos a necessária distinção entre ativismo e judicialização. Apostamos no ativismo, em vez de buscarmos a construção de políticas públicas — que beneficiariam a todos equanimemente — achamos melhor atender alguns grupos que foram a juízo. Soluções ad hoc.
Apostar no ativismo foi, pois, uma péssima escolha. Além de criarmos cidadãos de segunda classe judiciário-dependentes, deixamos de pressionar os governos a implementarem políticas públicas. Ou seja, até quando flertamos com o judiciário, fizemo-lo erradamente. Deveríamos ter feito ações, no limite, para, de forma contingente, fazer cumprir a Constituição forçando os governos a fazerem políticas com caráter universal. E não nos contentarmos com o menos.
De minha parte, a tese do dirigismo constitucional continua válida enquanto não resolvermos o triângulo dialético propugnado pelo próprio Canotilho (falta de segurança, pobreza e falta de igualdade política). A Constituição ainda vale. Enquanto não resolvermos essas três violências, não podemos dar um salto em direção à desconstitucionalização. Também poderia falar no triângulo dialético de Johan Galtung: violência física, estrutural e cultural.
Claro que não se muda o país por meio de canetaços. Lei não impede mosquito da dengue de fazer seu estrago. Mas a vinculação do legislador e do executivo às mínimas diretrizes constitucionais já permitiria que nos afastássemos de políticas contrárias à Constituição (de novo, repita-se: Constituição é norma; assim como vincula o modo como empresas se utilizam dos espaços público-institucionais, também deve vincular o lado do Estado Social). Ou o dirigismo é só para o que interessa às camadas dominantes do país? Dirige no que é bom, não dirige nada no que é “ruim”?
Resultado: hoje, a Constituição que estabelece que o Brasil é uma república que visa a erradicar a pobreza, fazer justiça social etc., está refém de políticas de governo deletérias, como se a Constituição estabelecesse que o Brasil é uma república que marcha para a construção de uma Belindia ou Norundi: o desiderato seria, como diz Arantes, um Brasil com riqueza exuberante no topo, parecido com a Bélgica, e uma miserabilidade social que segue os padrões da Índia (e eu acrescento outra paródia: Norundi: uma mistura de Noruega e Burundi).
Numa palavra final, eis um ótimo momento para testar a validade de frasescomo o STF é a vanguarda iluminista e impulsionador da história quando ela emperra” dita pelo ministro Roberto Barroso não faz muito tempo. A pergunta que fica é: O iluminismo, no caso, é o projeto compromissório previsto na Constituição que objetiva resgatar as promessas incumpridas da modernidade ou é a desconstitucionalização que está no bojo dos projetos “tipo PEC 241, flexibilização trabalhista, etc”? A história em breve nos dirá. Afinal, como um dia disse Millor Fernandes: O Brasil tem um grande passado pela frente!
1 MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Canotilho e a Constituição Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2005 (co-autores: Streck, Cleve et all).
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2 BERCOVICI, G.; MASSONETTO, L. F. A Constituição Dirigente Invertida: A Blindagem da Constituição Financeira e a Agonia da Constituição Econômica. Boletim de Ciências Econômicas, vol. XLIX. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2006.
Fonte: ConJur